Considerando as amplas extensões de áreas de cana-de-açúcar, qual a estratégia mais adequada para avaliar se as plantas estão em estresse hídrico ou se dispõem de água suficiente para alcançar a produtividade de três dígitos? Para contribuir nesse manejo que reflete na produtividade desta cadeia econômica com importância para produção de açúcar, etanol e bioenergia, o Instituto Agronômico (IAC) adotou o sensoriamento remoto, realizado por Vants (Veículos Aéreos Não Tripulados) equipados com câmeras termográfica e multiespectral, em voos distintos.
O IAC, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, iniciou um estudo, no segundo semestre de 2020, com o objetivo de avaliar alternativas para monitoramento do estado hídrico da cana-de-açúcar, por meio de dados gerados por essas câmeras e avaliação do estado hídrico das plantas. Os resultados mostraram que a temperatura foi menor na área irrigada, variando na faixa de 22 °C até 37 °C, e na área não irrigada as temperaturas foram superiores a 37 °C.
Os experimentos foram feitos em Ribeirão Preto, no interior paulista. Nos ensaios foi adotada a cultivar IACSP95-5094. Por meio das imagens, os cientistas interpretam o estado hídrico da planta, isto é, se ela está sob déficit, qual a intensidade desse estresse ou, ainda, se mantém boa condição de disponibilidade de água.
“Para culturas com grandes áreas, é muito importante analisar e interpretar, através de imagens, se há estresse hídrico, qual a intensidade deste e o período de tempo no qual a planta está nesta condição”, avalia a pesquisadora do IAC, Regina Célia de Matos Pires.
O estudo conduzido pelo IAC é diferenciado porque há poucas pesquisas associando os resultados obtidos por imagens ao estado hídrico da planta com vistas ao entendimento da ocorrência ou não de déficit hídrico, ao planejamento da irrigação e ao seu manejo. De acordo com o instituto, o sensoriamento remoto traz benefícios para o setor sucroenergético com estudos de estimativa de biomassa, crescimento e vigor de plantas e levantamento de falhas, neste caso para saber, por exemplo, qual o número de mudas necessárias para reduzir as falhas no estande de plantas.
Segundo a pesquisadora, as avaliações permitiram registrar diferenças entre os tratamentos irrigados quando comparados ao manejo sem irrigação nas duas câmeras utilizadas. “As imagens termográficas têm potencial para avaliação do estado hídrico de plantas de cana-de-açúcar de modo rápido, não destrutivo e eficiente”, considera a pesquisadora do IAC, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta).
O fornecimento de água às plantas contribui para elevar a produtividade e a qualidade da produção. Para obter tais resultados, é fundamental conhecer os diferentes manejos de irrigação que podem ser aplicados em áreas extensas, visando ao uso eficiente da água e considerando o estado hídrico e o desenvolvimento da cultura.
A equipe do IAC trabalhou em dois grupos de plantas: um com irrigação e outro sem. Na área irrigada, a água foi aplicada por gotejamento superficial, com uma linha de tubogotejadores, por linha de plantio. “O manejo da água foi realizado com aplicação de 50% da evapotranspiração da cultura, caracterizada como uma irrigação deficitária”, comenta Matos Pires. Neste tipo de irrigação, é disponibilizado um volume de água inferior à demanda da planta, naquele momento.
Para obtenção das imagens, a equipe utilizou o Vant de asa fixa da marca SenseFly, modelo eBee X. Nele foram acopladas, em voos distintos, as câmeras termográfica e multiespectral. As imagens termais foram feitas às 12h e às 15h, com a câmera térmica a 30 metros de altura. As imagens multiespectrais foram registradas em apenas um horário no período da tarde, com a câmera a 45 metros de altura. Os voos foram realizados nos meses de agosto e outubro de 2020. Os dados de clima, também considerados no estudo, foram obtidos em estação meteorológica automática do IAC, instalada em local próximo à área experimental.
De acordo com a pesquisadora, o planejamento e a execução do plano de voo foram feitos com o software eMotion, que permite controlar remotamente a aeronave durante a captação das imagens aéreas. O voo foi acompanhado em solo, mantendo sempre o contato visual com o Vant.
Feitas as imagens, elas foram mosaicadas, isto é, juntadas em duas ou mais, e ortorretificadas, processo de correções das distorções internas (do sistema) e externas (da paisagem), pelo software Pix4Dmapper. “A partir dos arquivos gerados na etapa de processamento dos dados, obtivemos os mapas com imagem espectral da área experimental, apresentando o índice de vegetação da diferença normalizada, também foi obtido o mapa com as temperaturas registradas pelo processamento da imagem termográfica”, explica.
As tecnologias de sensoriamento remoto aplicadas na agricultura têm permitido o monitoramento e o gerenciamento da variabilidade espacial e temporal das lavouras em tempo real. No Brasil, a área cultivada de cana-de-açúcar é de cerca de 10 milhões de hectares. A produtividade média é de 76,1 toneladas, por hectare, e os esforços são direcionados aos três dígitos, isto é, ao menos 100 toneladas, por hectare. O estado de São Paulo é responsável por 51% da produção brasileira. Com áreas tão extensas e números tão representativos para a economia, é fundamental recorrer a tecnologias que permitam análises abrangentes.
A importância das imagens
Matos Pires explica que os recursos adotados nesse estudo auxiliam na obtenção de informações em grandes áreas, sem a necessidade de ter equipamentos instalados para obter informações em tempo real ou de ter operador com equipamentos específicos in loco para avaliar. Por exemplo: o estado hídrico da cana-de-açúcar pode ser mensurado por um equipamento que meça as trocas gasosas da planta ou que verifique a temperatura foliar in loco ou ainda que avalie o potencial de água na folha, dentre outros.
“Portanto, há diversas formas para avaliar o estado hídrico da planta, mas para isso ou você tem que ir com determinado equipamento na área e faz algumas amostragens; ou opção é instalar equipamento na área para monitoramento em tempo real”, comenta.
A temperatura foliar pode ser utilizada como indicador de deficiência hídrica, principalmente para fins de manejo de áreas irrigadas e para monitorar o déficit hídrico. Porém, segundo a cientista, o uso de câmeras que capturam imagens em grandes áreas e o conhecimento para interpretá-las, em termos de estado hídrico dessas plantas, proporcionam amostragem muito maior e mais representativa da área.
“Ao invés de ter uma planta ou algumas plantas ou algumas folhas, você tem avaliação em área maior, isso é importante em grandes culturas e contribui para melhorar a representatividade”, resume.
Irrigação, produtividade e qualidade
Para crescer e acumular matéria seca, a cana-de-açúcar realiza trocas gasosas, em que perdem água por evaporação e absorvem gás carbônico que será utilizado no processo de fotossíntese o que proporciona o crescimento da planta e o aumento da produção.
Com relação à qualidade da cana, a irrigação é suspensa em determinado período, anterior à colheita. Esse momento varia e depende, além do clima, da disponibilidade de água no solo e da capacidade de armazenamento de água no solo para as plantas.
Mas a qualidade é determinada também pelo aporte nutricional e pelo clima da região. “Nas áreas irrigadas, costuma-se suspender a irrigação um tempo antes da colheita para favorecer a concentração de sacarose”, explica a pesquisadora.
Porém, não é só reduzir a disponibilidade de água que vai favorecer a maturação, são vários outros fatores, mas a suspensão da irrigação é uma das estratégias adotadas, segundo a pesquisadora. “O aumento da biomassa depende de todo o manejo adotado, só a água não fará milagre”, destaca Matos Pires. Ela recomenda, além da irrigação, a adoção de cultivar responsiva à água e a nutrição adequada para obter elevadas produtividades.
De acordo com o pesquisador e líder do Programa Cana IAC, Marcos Guimarães de Andrade Landell, dentre as cultivares de cana, há grande variabilidade de resposta à água. “Não é tudo igual. A cultivar pode determinar a viabilidade ou a inviabilidade de um projeto de irrigação e tem que render alta produtividade para valer o investimento na irrigação”, orienta Landell.
Ele assegura que as cultivares IAC se destacam pela alta performance em condição irrigada porque o Instituto tem muitas informações obtidas ao longo dos últimos 20 anos de pesquisas e, transferidas ao setor, dão alto retorno. A cultivar IAC911099, por exemplo, apresenta resposta muito boa com irrigação deficitária, em Goiás, na área da usina Jalles Machado.
“A IACSP-955000 vai bem com irrigação plena, quando é oferecida mais água, atendendo mais à demanda dela, torna-se muito competitiva. É o que temos observado no estado de São Paulo. Ela é uma grande opção para essa condição”, diz Landell. De acordo com ele, a cultivar IACSP-955094 atende muito bem aos dois tipos de irrigação: deficitária e plena, assim como a IAC911099. Landell ainda comenta que há novos materiais que estão chegando com performances muito boas também em condição irrigada.
O IAC avalia a resposta de cultivares a irrigações desde o início do ano 2000, em trabalhos com a usina Jalles Machado, onde instalava ensaios em condição de irrigação deficitária, porque a disponibilidade de água era pequena naquela região.
“Daí começamos a selecionar materiais e, em 2005, fomos conhecer Luís Eduardo Magalhães, na Bahia. Eles queriam saber se a cana era viável naquela região e nós instalamos campos experimentais e depois iniciamos projetos de seleção em condições de irrigação”, conta Landell. Atualmente, o Instituto Agronômico tem muitos materiais com boa resposta à irrigação.
O clima do ano e do ciclo da cultura também é determinante para o aumento da biomassa. “Em anos com maior déficit hídrico, a resposta à irrigação (comparado à condição de sequeiro) vai ser muito maior que em um ano que tenha déficits por menor tempo ou com menor intensidade”, atesta Matos Pires. Por isso, esse percentual de aumento depende de todo o contexto, incluindo a região ambiental a disponibilidade hídrica e a condição de solo.
Tipos de irrigação
As diferentes estratégias adotadas para irrigação podem ser: irrigação eventual, irrigação de salvamento, deficitária e complementar.
A irrigação eventual, que pode ser adotada uma ou mais vezes, é aquela feita em momentos específicos e pode auxiliar a manter a produtividade ou mesmo mitigar um estresse hídrico muito severo. Ela é usada quando o canavial passa por um período muito grande de seca intensa, a propriedade tem água disponível e equipamento adequado.
Outra estratégia é a irrigação de salvamento, feita normalmente depois do corte da cana, para favorecer a brotação. “No período de seca intensa, se não favorecer a brotação, pode haver quebra de produtividade grande no ano seguinte, nesse talhão, por isso é chamada de salvamento”, explica Regina Célia de Matos Pires.
De acordo com a pesquisadora, a irrigação deficitária se caracteriza pela disponibilização de volume de água inferior à demanda da planta no momento. A irrigação complementar normalmente ocorre onde a precipitação anual total é superior a 800 mm, ela complementa a reposição da chuva. O cálculo do volume a ser fornecido é feito por meio de monitoramento do balanço hídrico ou da disponibilidade de água no solo.
“Nesta irrigação, aproveitamos as entradas das chuvas como saldo positivo no balanço hídrico e há reposição do que falta para completar 100% à demanda da cultura ou ainda uma porcentagem desta. A irrigação complementar às chuvas também pode ser deficitária”, explica.
A Agência Nacional das Águas (ANA) define a irrigação plena como o fornecimento de 100% da demanda da cultura e isso reflete em aplicações de irrigações de 400 mm a 1000mm, por ano. Há também a indicação de irrigação plena em regiões onde chove menos de 800 mm, por ano.
Prêmio de melhor artigo
Intitulado “Uso de Imagens Multiespectrais e Termográficas para monitoramento das condições hídricas da cana-de-açúcar”, o artigo foi premiado como melhor artigo apresentado no Inovagri Meeting Virtual, XXIX Congresso Nacional de Irrigação e Drenagem e IV Simpósio Brasileiro de Salinidade, em dezembro de 2020.
O artigo foi escrito por: Jane Maria de Carvalho Silveira, Bernardo Moreira Cândido, André Luiz Barros de Oliveira Silva, Gláucia Cristina Pavão, Mauro Alexandre Xavier, Regina Célia de Matos Pires. IAC
Fonte e imagens: Canal Jornal da Bioenergia
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